• Home
  • Notícias
  • Moda
  • Isabel Rott, da Isaro, prova que dá para começar uma marca sem experiência prévia

Isabel Rott, da Isaro, prova que dá para começar uma marca sem experiência prévia

By Marjorie van Elven

loading...

Scroll down to read more

Moda |ENTREVISTA

Não é preciso ter um diploma em moda para se tornar estilista e lançar uma marca própria. É o que comprova Isabel Rott, criadora da marca Isaro, que está chamando atenção pelas silhuetas minimalistas e as campanhas em defesa da diversidade, incluindo modelos albinos, refugiados e transgêneros.

Prestes a lançar a terceira coleção da Isaro e uma coleção-cápsula com o ator Bruno Fagundes, uma das estrelas da série 3% da Netflix, Rott conversou com a FashionUnited sobre seus desafios como empreendedora, a chuva de comentários negativos recebida durante as eleições do ano passado e seus planos futuros para a marca.

Como surgiu a ideia de criar a Isaro?

Eu sou brasileira de origem alemã. Meus pais são de Colônia, mas fui criada no Brasil. Cerca de oito anos atrás, resolvi me mudar para Colônia, morei lá quatro anos e meio e voltei para o Brasil três anos atrás. Quando morava em Colônia, um amigo meu me convidou para começar uma marca de streetwear com ele. Embora eu não fosse estilista -- minha formação é em design de interiores -- nem nunca tivesse trabalhado com moda, ele achou que eu tinha um bom senso estético e conhecimento suficiente. Trabalhamos nessa marca durante dois anos até que eu decidi voltar a São Paulo.

Depois que voltei, senti um vazio. Eu sentia muita falta de trabalhar com moda, realmente me apaixonei por esse mercado. Como designer, tudo relacionado a arte me fascina. Sempre fui interessada em moda, só nunca tinha considerado transformar essa paixão em uma carreira. Foi então que decidi começar minha própria marca no Brasil, algo com que eu me identificasse, uma marca com os meus valores.

Quais desafios você enfrentou neste começo?

O maior desafio é a forma como as pessoas te enxergam. As pessoas perguntam, né? “Ah, então você não é formada em moda?”. É difícil fazer uma marca crescer ao ponto de você poder dizer “não, não sou [formada em moda], mas aprendo muito a cada dia e vou continuar expandindo meu conhecimento à medida em que a marca for crescendo”. O maior desafio, sem dúvida, é conquistar a admiração das pessoas que já trabalham nesse mercado.

Como você se sentia ouvindo tais perguntas?

Eu ficava encabulada no começo. A moda é um ambiente muito difícil. Você tem que se destacar sempre, o que é moda hoje amanhã já não é mais. Isso afetava muito a minha auto-estima no começo, mas agora acho que eu banco a minha posição. Sim, eu trabalho com moda. Sim, sou estilista. Meu trabalho fala por si agora, não preciso mais me justificar.

Conte mais sobre a Isaro e de seu modelo de negócios. Qual é o DNA da marca?

O DNA da marca é o empoderamento. O Brasil está passando por uma fase muito complicada e eu acho importante que as marcas de todos os segmentos se posicionem. É claro que nenhuma marca vive só de militância, elas precisam ser rentáveis, vender produtos. Além disso, as pessoas também se cansam se a marca ficar militando o tempo inteiro. Mas é uma parte muito importante do que a gente faz. Nós pregamos amor e respeito para todos, não importa o gênero, cor, origem, classe social ou orientação sexual, e convidamos as pessoas a se abrir para a diversidade. “Olha, essas pessoas existem. Por que nunca as vemos nas propagandas? Por que nunca as vemos na TV?”. É uma forma de provocar a sociedade de certa forma, mas o que a gente quer é que as pessoas tenham empatia.

Como esses valores se traduzem no estilo das roupas?

Nossas roupas têm um estilo minimalista, eu amo moda escandinava. Acho que a moda hoje em dia está tão exagerada, tão over nas cores, mensagens, logos, silhuetas… Eu não acho que todo mundo goste disso ou que isso faça com que as pessoas se sintam melhor. Eu vejo tantas mulheres que se produzem de manhã e passam o dia inteiro puxando a camisa aqui, puxando a saia ali, checando se está tudo no lugar. Elas não parecem nem seguras nem confortáveis.

A Isaro oferece roupas elegantes que fazem com que você se sinta bonito(a) e confortável ao mesmo tempo, sem precisar ficar checando o tempo todo se a barriga está aparecendo, se os botões vão abrir, se a calça vai descer. São peças atemporais que continuarão atuais daqui a dois ou três anos. Nós também trabalhamos sempre com materiais de alta qualidade, como 100 por cento algodão, couro ou linho, para que as peças durem mais tempo. Além disso, nós somos contra o conceito de fast fashion: nossas peças são produzidas em quantidades limitadas. Essa talvez não seja a forma mais rentável de se criar uma marca, mas eu quero que a Isaro seja reconhecida pela qualidade dos seus produtos e não por seguir as últimas tendências mas aí as pessoas vão jogar nossas roupas fora daqui a dois meses.

A Isaro costuma ser classificada como uma marca sem gênero, apesar de ter itens masculinos e femininos…

Nós temos peças com cortes femininos e masculinos, mas nas nossas campanhas você vai ver tanto homens quanto mulheres usando as mesmas peças. A Isaro preza pela liberdade: se um homem quiser usar um dos nossos vestidos, por exemplo, fique à vontade. O que importa é você se sentir bem.

De quais outras formas a defesa da igualdade e liberdade aparece no modelo de negócios da Isaro?

Nós não somos uma marca que vende camisetas com mensagens militantes, sabe? Nosso posicionamento tem muito mais a ver com as pessoas com quais escolhemos trabalhar. A campanha da nossa última coleção, por exemplo, tem uma paleta de cores “humanas”, desde uma mulher albina até um refugiado senegalês, além de duas pessoas transgênero. Nenhum deles é modelo profissional.

Já nossa terceira coleção será inspirada pelas cores da bandeira transgênero e a gente vai trabalhar apenas com modelos trans. Algumas das camisetas terão bordados com números na manga. Nós não vamos revelar o que esses números significam, mas cada um deles é relacionado a uma estatística referente à população LGBTQ em 2018, por exemplo o número de pessoas LGBTQ assassinadas no Brasil. Só vamos revelar o que os números significam se o cliente perguntar. Esses bordados serão feitos em parceria com a Trans Sol, uma ONG que ensina costura e bordados para pessoas transgênero e sem-teto para que elas possam achar uma colocação no mercado de trabalho.

Você mencionou que o Brasil está passando por um período complicado. A marca recebeu algum tipo de represália de eleitores do presidente Jair Bolsonaro, conhecido pelas colocações anti-LGBTQ?

Nós tivemos uma onda de comentários negativos no Facebook e no Instagram durante as eleições porque postamos uma foto com a hashtag #elenão. A imagem viralizou em comunidades e fóruns pró-Bolsonaro, recebemos milhares e milhares de ameaças durante três ou quatro dias. Mesmo que eu acredite que sejam só palavras, que essas pessoas não fariam de fato algo para nos prejudicar, não tem como não ficar apreensiva. Felizmente, depois desses quatro dias, houve uma onda ainda maior de apoio, o que me encheu de esperança.

Como vão as vendas?

A Isaro vende quase três vezes mais em canais offline do que online, embora seja uma marca digital. No começo do ano, eu até pensei em abrir uma loja física porque, quando participamos de eventos, feiras e lojas pop-up, a reação é sempre muito positiva. As pessoas falam: “nossa, isso é de muito boa qualidade, agora que eu consigo ver e tocar as peças, me convenci a comprá-las”. Como somos uma marca nova e os items custam mais do que 100 reais, as pessoas às vezes ficam receosas de comprar nossas peças pela Internet. Porém, eu decidi não abrir uma loja física e em vez disso focar em melhorar nossa estratégia digital. Nosso site tem uma quantidade boa de visitas, nós só precisamos aumentar a conversão. Por isso, contratei uma agência de marketing para me ajudar a interpretar as estatísticas de acesso e entender melhor como podemos melhorar o nosso site para que as pessoas se sintam mais encorajadas a comprar. O que está falhando? São as opções de pagamento? São as fotos dos produtos?

Quantas pessoas trabalham na Isaro?

Em tempo integral, só eu. Mas tem uma equipe de freelancers com os quais eu sempre trabalho: um fotógrafo, uma designer, além de uma agência de relações públicas e uma agência de marketing digital. Quanto à produção, eu decido com quem trabalhar a cada coleção. A primeira coleção foi feita por uma pequena fábrica no bairro da Casa Verde em São Paulo, enquanto a segunda, mais focada em alfaiataria, foi feita por outra empresa em Perdizes, onde cerca de vinte pessoas trabalham, das quais cinco são alfaiates. A terceira coleção será feita com a mesma fábrica da primeira.

Uma de nossas preocupações é sermos transparentes em relação a como nossos produtos são feitos. Mostramos as fábricas no Instagram e no futuro queremos até mostrar os rostos das pessoas que fazem as roupas da Isaro. Eu também quero mostrar mais a minha cara nas redes sociais, quero conversar mais diretamente com os consumidores. Apesar de ser uma pessoa tímida, acredito que isso aproximará ainda mais os clientes da marca.

Quais são os planos da Isaro no longo prazo?

Quero levar a Isaro para a Europa dentro de três ou quatro anos, só não sei onde. Eu sou alemã, mas não acho que a Alemanha seria um bom lugar para começar, os alemães não são muito abertos a novidades quando se trata de moda. Eu teria que fazer uma pesquisa de mercado antes, mas acredito que o Brasil, apesar de todos os seus problemas, ainda tem uma boa imagem no exterior, por isso eu gostaria de representar o país com uma marca que não carregue os clichês de brasilidade como sol, praia e carnaval. Mas isso é a longo prazo, primeiro precisamos crescer no Brasil.

Fotos: cortesia Isaro, página da Isaro no Facebook. Vídeo de Isabela Ribeiro

Isabel Rott
Isaro