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Profissões: de booker a palestrante

By Marta De Divitiis

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Moda

Marcia Jorge Credits: Danilo Borges

Dando continuidade a nossa série sobre as diversas carreiras que a moda proporciona, desta vez falamos de três diferentes profissões na moda (booker - de modo geral, quem negocia trabalho para os modelos; stylist e palestrante), todas exercidas por Marcia Jorge. Abaixo ela nos conta como tudo aconteceu.

FashionUnited: Qual a sua relação com a moda? Como começou?   

É amor antigo! Minha mãe conta que a maneira mais eficaz de me fazer sossegar quando era bebê, era me colocando no colo e folheando revistas até eu adormecer. Ela dizia que eu ficava hipnotizada com as imagens e todas as noites repetia o ritual. Fui crescendo, e era um mundo que me fascinava demais. As roupas! Sou filha caçula, então as roupas que chegavam para mim já tinha passado pelos meus irmãos, e eu não tinha esse gostinho de escolher e ter algo novo, inédito. Talvez isso tenha aumentado a minha fascinação. Eu sonhava com o dia que poderia escolher para mim uma roupa que estivesse num manequim. O tempo foi passando descobri que podia encontrar roupas nas coisas que minha mãe não usava mais. Ela foi modelo, desfilou para os grandes, Dener, Clodovil, então encontrei o baú do tesouro!

Depois, aprendi que juntando o meu dinheiro do lanche na escola poderia comprar revistas e tecido. Encontrei uma costureira que embarcava nas minhas loucuras e aí o que eu via nas revistas, tentava fazer uma inspiração. Depois de um tempo, já quase adolescente, descobri que tinha um curso de moda perto da minha casa. Eu tinha 12 anos e ali conheci maquiadores, fotógrafos, pessoas que queriam ser modelo e tinha acesso ao incrível mundo das revistas importadas. Eles tinham uma mini biblioteca lá. Um dia uma das donas dessa escola falou que eu deveria cortar o cabelo Chanel. Cortei lá mesmo com um estudante. Ao me ver com o novo cabelo, decidi fazer nascer uma nova pessoa e comecei a inventar mais roupas incríveis para mim e ousar cada vez mais.

Aos 14 anos eu já chamava atenção na escola com um cabelo raspado na nuca e criando versões diferentes do uniforme. Nem todo mundo gostava, mas tinha algo de criação muito forte acontecendo ali….. Quando entrei na faculdade (fiz Marketing na Universidade Mackenzie, em SP), tive uma amizade instantânea com a Liza, uma jovem loira parecida com a Cameron Diaz que morria de rir das minhas palhaçadas . Um tempo depois  descobri que ela era filha do fotógrafo Marcio Scavone e contei que sonhava trabalhar com moda.

Trabalhando como booker Credits: cortesia Marcia Jorge (acervo pessoal)

Fale sobre sua trajetória profissional: quais as dificuldades? Quais habilidades adquiridas? 

Pouco tempo depois da conversa com minha amiga Liza, eu fazia minha primeira entrevista de emprego na agência de modelos Táxi. Lembro que tremia tanto que tinha que levantar a xícara de café que me serviram com as duas mãos para disfarçar!!!Fui aprovada para o estágio e comecei. Era um sonho acontecendo ao vivo, pois assistia desfiles, via estilistas, modelos, fotógrafos o dia inteiro. Não percebia o tempo passar. Mas não era nada fácil, era um mundo maluco, as pessoas competiam, lutavam por comissões, na mesa uma fumaça louca de cigarro, as modelos, em centenas, concorriam por um trabalho, um rigor ferrenho para que mantivessem as medidas, mas eu me sentia realizada lá dentro: recebia quem entrava, atendia telefone, servia café, ajudava a produzir os books das modelos novas que chegavam. O ano era 1998.

Quando passou o tempo de estágio na agência, me tornei booker, começando a negociar trabalho para as modelos. Eu era uma booker legal, queria que elas se sentissem confiantes. Eram tempos rigorosos, mas eu nunca pegava pesado. Falava com jeitinho as coisas para elas e tentava “vende-las" para todos os trabalhos possíveis, de comerciais a editoriais de moda e desfiles. Como booker aprendi sobre ser humano. Todo mundo tem dores, dificuldades e inseguranças. Todo mundo que estava nas revistas, estava ali na minha frente. As modelos, os fotógrafos famosos, maquiadores. Todos humanos, todos buscando caminhos para a felicidade. Aprendi a ter disciplina: de horário, de cumprir com a palavra e de valorizar e honrar cada centavo que recebia de salário. As modelos contavam das viagens que faziam. Aquilo era um sonho para mim. Viajava junto! Fiz uma carreira longa como booker, depois de bastante tempo na Taxi, recebi um convite de Nova York para integrar o time da IMG Models que iria abrir um escritório no Brasil para cuidar dos negócios da Gisele Bundchen. Ela já caminhava para ser a maior modelo do mundo. Trabalhar com americanos é prever os próximos 5, 10 anos com planilhas!. Eu que nem sabia prever o que iria comer no almoço foi uma escola e tanto! Anos depois fui para a L’Equipe. Sempre quis trabalhar com a Lica, a dona da agência. Sentia que lá eu poderia ter uma história bonita. Não por acaso o convite veio e lá fiquei por bastante tempo e fiz grandes amigos para a vida!

Enquanto estava na L'Equipe, comecei a fazer cursos de autoconhecimento, expansão de consciência, liderança e personal styling. Veio uma vontade imensa de voltar a estudar. Prestei vestibular para cursar Psicologia e voltei para os bancos da universidade. Foram 5 anos de estudos, dei um tempo no trabalho na agência para me dedicar à faculdade. Formada, aluguei uma sala dentro da mesma agência para fundar o meu primeiro escritório de consultoria de imagem e atendimento psicológico. As modelos da agência foram minhas primeiras clientes. Um dia, estava lá no meu novo canto, chegou um fotógrafo amigo, desesperado. Ele tinha que fotografar um catálogo no dia seguinte e a stylist cancelou na última hora, ele veio pedir para que eu o salvasse. Lá fui eu… Me virei, peguei meus sapatos, uns acessórios que tinha e fui ajudar o amigo. Foi uma experiência tão boa que o cliente me quis de novo, de novo e novamente. Ali nascia a stylist, não parei mais, fui aprendendo tudo na prática, errando bastante, acertando também… Aí vieram as revistas, as publicidades. Cada pessoa que conhecia nos trabalhos me levava para um novo lugar, entendi para valer o poder das conexões.

Marcia como palestrante Credits: cortesia Marcia Jorge (acervo pessoal)

Quais conselhos daria para aqueles que estão começando a trabalhar em carreiras de moda?

Ahhh tantos!!! Primeiro: saiba diferenciar parcerias reais de abusos. Aproveitadores existem por toda a parte. Muitas vezes virão propostas de trabalho em troca de promessas que nem sempre se cumprem. Segundo: quando receber um feedback ruim de um cliente, não leve para o lado pessoal. Nunca. Terceiro: não perca os seus valores, os valores que a sua família passou para você e seja humilde, respeite pessoas, horários e regras de conduta dos lugares, especialmente quando falamos em trabalhos dentro do estúdio. Quarto: nunca vá para festa, balada em véspera de trabalho. Quinto: não minta. O custo de sustentação de qualquer mentira não compensa. Sexto: ninguém é mais que ninguém. Apenas não se impressione se alguém se comportar como se fosse. Não seja blasé e nem confie em gente blasé. Isso é máscara de má qualidade. Sétimo: Não queira agradar a todos. Não funciona, você vira um fantoche. Oitavo: não existe glamour, nem moleza em trabalhar com moda. É trabalho pesado. Mas uma coisa é fato: existe arte, existe paixão, e você descobre isso quando não vê o tempo passar quando está trabalhando.

Como começou a dar palestras? Quais seus temas preferidos?

O Roberto Shinyashiki foi meu mentor em palestras. Tinha vontade de transmitir conhecimento e experiência para as pessoas, mas não sabia como fazer, por onde começar aí procurei o Roberto e fiz uma formação com ele. Já lá de dentro do Instituto Gente, do Roberto, já surgiram os primeiros convites. O momento mágico nessa caminhada, foi palestrar para quase 800 pessoas no Memorial da América Latina. Falo de Imagem Pessoal, Moda e tendências. Não falo apenas para o público do mercado de moda. Imagem é um assunto muito importante para todas as áreas. Sempre fico atenta ao objetivo principal daquela palestra, porque estou lá, que demanda ou problema a minha fala pode ajudar a resolver.

Qual o papel das mídias sociais na sua carreira? Quais você utiliza e como as administra?

Atualmente as mídias sociais, especialmente o Instagram tem um papel bastante importante para que eu possa me comunicar, me posicionar e ajudar as pessoas com um material que possa ser útil para a vida delas, sempre de uma maneira leve e que tem troca, inclusão e interação. O conteúdo vai acontecendo no meu dia a dia. As ideias vem, porque respiro isso 100 por cento da minha vida. Brinco e falo que eu sou o conteúdo!! Mas sim, tem inspirações que vem de toda parte, tem estudo, tem pesquisa, experimentações, tentativas, testes. Assino publicações internacionais, acompanho a mídia especializada e vejo conteúdos variados das mais diversas áreas . Tudo pode ser inspiração! Gosto muito do YouTube, mas ainda não apareci por lá, quem sabe em breve não teremos novidades…

O que vê de nocivo nas redes sociais?

Acho importante falar que hoje em dia a disputa por atenção é muito grande e as pessoas diante da vitrine das redes sociais se comparam demais e isso acaba paralisando iniciativas, de acreditarem no próprio potencial e serem do jeito como são. Não deixe de fazer o que deseja porque já existem pessoas fazendo aquilo. Cada um de nós somos abençoados por sermos únicos e sempre haverá espaço para um novo olhar.

Como você analisa sua trajetória?


Quando contamos uma história dessas como a minha, parece algo lindo, fluido, que tudo aconteceu magicamente, mas não é e não foi e enquanto estivermos aqui, vamos estar vivendo altos, baixos, dias bons, ruins, pessoas brilhantes e pessoas brilhantemente mal educadas… Ontem mesmo recebi um WhatsApp de um rapaz de uma grande companhia de cosméticos "exigindo" falar comigo naquele mesmo segundo para um trabalho de última hora, respondi que não podia atendê-lo pois estava em viagem, mas que poderia atendê-lo para próximos trabalhos e ele sequer disse “ok”, “obrigada”, “que pena”, nada…Aliás , quando mais se sobe no elevador das conquistas, mais desafios em forma de seres humanos também vai se encontrando… O que me conforta é o pensamento que todos nós estamos só buscando felicidade e cada um da sua maneira. Esse tipo de pensamento me causa compaixão pelas pessoas e me deixa mais forte.

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