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Quão sustentáveis são os tecidos feitos de garrafa PET reciclada?

By Marjorie van Elven

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Moda

Cerca de 49 por cento de todas as roupas fabricadas no mundo são feitas de poliéster e, de acordo com o Greenpeace, esse percentual deve quase dobrar até 2030, pois cada vez mais consumidores buscam roupas elásticas e resistentes. Sim, culpa das leggings e calças de ioga. O problema é que o poliéster é um tecido nada sustentável, pois é feito de polietileno tereftalato (PET), o tipo mais comum de plástico. Em suma, a maioria das nossas roupas vêm do petróleo, quando deveríamos estar diminuindo seu uso. Em seu último relatório, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática pediu que países e empresas tomem medidas drásticas para fazer a temperatura mundial se manter ao máximo de 1,5 graus celsius acima dos níveis pré-industriais. Isso inclui diminuir o uso de plásticos.

Em 2017, a organização sem fins lucrativos Textile Exchange, que promove o uso de tecidos mais sustentáveis, desafiou mais de 50 empresas de moda e vestuário (incluindo gigantes como a Adidas, H&M e Gap) a aumentar seu uso de poliéster reciclado em 25 por cento até 2020. Deu certo: em novembro, a organização divulgou uma nota comemorando que as empresas participantes não só cumpriram a meta dois anos antes do prazo, como ultrapassaram-na, tendo aumentado o uso de poliéster reciclado em 36 por cento. E mais: à época da nota, mais doze empresas se juntaram ao desafio. A Textile Exchange prevê que, até 2030, 20 por cento de todo o poliéster usado no mundo seja reciclado.

Também conhecido como rPET, o poliéster reciclado é obtido por meio de um processo que derrete o plástico, transformando-no em fibra de poliéster. Embora muito se fale sobre as roupas feitas a partir de garrafas PET descartadas pelo consumidor comum, o tereftalato de polietileno também pode ser reciclado a partir de dejetos plásticos da indústria. Mas, apenas a título de exemplo, cinco garrafas de refrigerante geram fibra de poliéster suficiente para uma camiseta GG.

Embora a reciclagem de plástico pareça indiscutivelmente uma boa ideia, na verdade o rPET está longe de ser uma unanimidade no mundo da moda sustentável. Existem tanto argumentos contra quanto a favor dele. A FashionUnited os resume abaixo:

Poliéster reciclado: vantagens

1. Diminuir a quantidade de plástico em aterros e oceanos - O poliéster reciclado dá uma segunda vida a um material não-biodegradável que acabaria sendo descartado em aterros ou no oceano. Segundo a ONG inglesa Ocean Conservancy, 8 milhões de toneladas de plástico são jogadas nos mares todos os anos, além dos 150 milhões de toneladas que já circulam atualmente em ambientes marinhos. Se mantivermos esse ritmo, até 2050 haverá mais plástico do que peixes no oceano.

Quanto aos aterros, a Agência Nacional de Proteção Ambiental dos Estados Unidos revelou que os lixões do país receberam 26 milhões de toneladas de plástico somente em 2015. A União Europeia estima que a mesma quantidade seja gerada anualmente pelos seus países-membros. As roupas são, sem dúvida, uma parte importante do problema: no Reino Unido, um relatório da organização sem fins lucrativos WRAP (Waste and Resources Action Programme) estimou que cerca de 140 milhões de libras em roupas vão parar nos lixões a cada ano. E, se a maior parte delas é feita de poliéster...

“Transformar resíduos de plástico em material útil é muito importante tanto para os seres humanos e meio ambiente”, disse Karla Magruder, diretora da Textile Exchange, em email para a FashionUnited.

2. A qualidade do rPET é quase tão boa quanto a do poliéster virgem

Em termos de qualidade, dá na mesma usar poliéster virgem ou reciclado para fabricar roupas. Porém, a produção do reciclado exige 59 por cento menos energia, de acordo com um estudo de 2017 da Ministério do Meio Ambiente Suíço. A WRAP também estima que a produção do rPET reduza as emissões de CO2 em 32 por cento, em comparação com o poliéster virgem. Além disso, ao reciclar o poliéster, evita-se que se extraia mais petróleo bruto para a produção de mais plástico.

“O uso de poliéster reciclado diminui nossa dependência do petróleo como fonte de matérias-primas”, diz o site da marca americana Patagonia, conhecida por fabricar fleece a partir de garrafas de refrigerante usadas, resíduos industriais e roupas usadas. “Assim prolongamos a vida útil dos produtos, reduzindo emissões tóxicas e a quantidade de plástico em lixões e oceanos”.

"Mais de 60 por cento do PET no mundo vira poliéster -- duas vezes mais do que é usado para fabricar garrafas. O desenvolvimento de uma cadeia de fornecimento não-virgem para a fibra tem, portanto, o potencial de impactar maciçamente o uso global de energia e recursos”, defende a marca de vestuário americana Nau, também conhecida por priorizar tecidos mais sustentáveis.

Poliéster reciclado: os contras

1. A reciclagem de plástico tem suas limitações - Muitas peças de roupas não são feitas apenas com poliéster, mas sim com uma mescla de poliéster com outros materiais. Nesse caso, é mais difícil ou até mesmo impossível reciclá-las. “Em alguns casos, até é tecnicamente possível reciclar uma mescla de poliéster e algodão. Mas as coisas ainda estão num nível rudimentar. Nosso desafio é encontrar processos que possam ser escalonados adequadamente e infelizmente ainda não chegamos a esse patamar”, explica Magruder. Certos acabamentos aplicados ao tecido também podem torná-lo não reciclável.

Mesmo as roupas 100 por cento poliéster não podem ser recicladas eternamente. Existem dois processos de reciclagem do PET: o mecânico e o químico. “A reciclagem mecânica consiste em pegar uma garrafa de plástico, lavá-la e transformá-la em um chip de poliéster, que então passa pelo processo tradicional de fabricação de fibras. Já a reciclagem química retorna o resíduo de plástico aos aos seus monômeros originais, que são indistinguíveis do poliéster virgem. Estes podem então voltar para o sistema regular de fabricação do poliéster”, diz Magruder. A maior parte do rPET produzido no mundo é obtida por meio de reciclagem mecânica, já que é o mais barato dos dois processos e não requer produtos químicos além dos detergentes necessários para a limpeza. No entanto, “por meio desse processo [mecânico], a fibra pode perder sua força e pode, portanto, precisar ser misturada ao poliéster virgem”, afirma o Escritório Federal Suíço para o Meio Ambiente.

"A maioria das pessoas acredita que os plásticos podem ser reciclados infinitamente, mas isso não é verdade. A cada vez que o plástico é derretido, ele se degenera, perde qualidade", diz Patty Grossman, co-fundadora da empresa americana de tecidos sustentáveis Two Sisters Ecotextiles, em email para a FashionUnited. A Textile Exchange, no entanto, afirma em seu site que o rPET pode sim ser reciclado por muitos e muitos anos: “Nosso objetivo é que roupas de poliéster reciclado sejam continuamente recicladas sem diminuição da sua qualidade”, diz a organização, acrescentando que um dia o ciclo inclusive pode “se fechar”, o que significa que roupas de poliéster nunca seriam de fato descartadas.

Quem está do lado de Grossman costuma argumentar que o mundo deveria produzir e consumir menos plástico, ao invés de apenas reciclar as quantidades exageradas de plástico que se consome -- o que, aliás, sequer é feito. Nos Estados Unidos, apenas 9 por cento dos plásticos foram reciclados em 2015, segundo a Agência de Proteção Ambiental do país. Para os detratores do rPET, a indústria da moda deveria portanto se voltar para as fibras naturais como linho e lã. Afinal, mesmo que o rPET consuma 59 por cento menos energia para produzir do que o poliéster virgem, ele ainda requer mais energia do que o algodão (tanto o normal quanto o orgânico), linho e lã.

2. O processo de reciclagem do PET também afeta o meio ambiente - Segundo Grossman, os chips de poliéster gerados pela reciclagem mecânica podem variar de cor: alguns ficam brancos, enquanto outros são amarelos ou creme, o que dificulta os fabricantes de roupas a atingir uma cor específica. "Alguns tintureiros acham difícil chegar na cor branca, então eles usam alvejantes à base de cloro para branquear os chips", ela explica. “Essa inconsistência na absorção de corantes torna difícil fazer com que lotes diferentes de roupas tenham a mesma cor e isso pode levar a altos níveis de re-tingimento, o que requer alto consumo de água, energia e produtos químicos”.

Além disso, alguns estudos apontam que garrafas PET liberam antimônio, uma substância “conhecida por causar câncer”, nas palavras da Textile Exchange em seu site. O óxido de antimônio é normalmente usado como catalisador no processo de fabricação de PET e poliéster. Agências de saúde em todo o mundo dizem que não há motivo para preocupação, já que as quantidades de antimônio liberadas pelas garrafas PET são muito pequenas para ser consideradas tóxicas (500 mg / kg de PET), mas mesmo assim a Textile Exchange classifica “a substituição do antimônio” como uma dos “principais desafios” a ser enfrentados pelo rPET.

Na academia, também há controvérsias sobre o cálculo das emissões de CO2 na comparação entre poliéster virgem e rPET. “O impacto da primeira vida da fibra geralmente não é incluído na avaliação ambiental geral das fibras recicladas. Se fosse, os resultados seriam diferentes”, diz o relatório do Ministério Suíço para o Meio Ambiente.

3. Poliéster reciclado libera microplásticos - Por último, mas não menos importante, o argumento de que o poliéster reciclado impede que o plástico seja jogado nos oceanos também é alvo de debates. Ao ser lavados, tecidos sintéticos liberam fibras de plástico microscópicas na água -- os famosos microplásticos. De acordo com um estudo recente da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, roupas de poliéster podem liberar mais de 700 mil fibras de microplástico a cada lavagem. Outro artigo publicado em 2011 no periódico Environmental Science Technology revelou que os microplásticos formam 85 por cento dos detritos nas regiões costeiras. Não importa se as peças são de poliéster virgem ou reciclado, ambas liberam microplásticos na hora da lavagem e, portanto, ambas contribuem para a poluição dos oceanos.

Foto: Facebook Everlane, Pixabay

Traduzido por Gislene Trindade, editado por Marjorie van Elven

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