SPFW N52 mostra a moda como ferramenta de inclusão social e diversidade
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A moda, que por tanto tempo foi elitista, pode ser instrumento de inclusão social. Essa foi a mensagem que ficou após o término da temporada número 52 do SPFW - São Paulo Fashion Week, que aconteceu entre os dias 16 e 21 de novembro, no Pavilhão das Culturas Brasileiras no parque do Ibirapuera, em São Paulo. A passarela foi dominada pela diversidade, numa profusão de corpos altos e baixos, magros e gordos, cis e trans jovens e sêniores. Mas a diversidade não ficou restrita à passarela. As marcas também vieram com propostas inclusivas, com moda realizada por designers pretos, estilistas egressos do sistema penitenciário e costureiras da periferia que foram treinadas num programa da prefeitura de São Paulo, paralelamente a marcas consagradas e outras iniciantes. Houve até mesmo roupas virtuais (chamadas skins nos games, no desfile).
“Desde os anos 80 estamos observando a transformação de uma moda elitista e , especialmente depois da pandemia estamos impactados por um novo universo; já estávamos trazendo as discussões sobre diversidade, colocamos uma regra de equidade racial há três edições atrás e esta é a primeira vez que observamos isso de forma presencial. Paralelamente muita coisa aconteceu: mudança de line up, designers negros que agora estão sendo vistos. São processos muito verdadeiros que estão causando vários impactos, desde o emocional (por estarmos nos vendo presencialmente outra vez), econômico, intelectual (por vermos novos processos), um novo público, apaixonado por moda, tudo está nos impactando”, justifica Paulo Borges, diretor criativo do evento.
Projeto Cria Costura e Ponto Firme - costura e crochê trazem oportunidades sociais
O evento foi inaugurado com o desfile de 23 mulheres que foram capacitadas em moda (criação e gestão) pelo designer Jefferson de Assis, numa iniciativa da Prefeitura de São Paulo, junto com In-MOD - Instituto Nacional de Moda e Design. “O Projeto chamado Cria Costura, aceleradora criativa; foi justamente essa sensação de criação que quisemos trazer, uma vez que costureiras (os) são vistos apenas como operadores de máquinas e a parte criativa fica a mérito dos designers; é importante termos os costureiros (as) com mente criativa; tivemos dez encontros onde encorajamos todos a se desenvolver em design, em produção e gestão; é um projeto de materialização,” diz Assis. Diverso, o grupo é formado por estudantes, quem fez cursos básicos de costura e outros que já contam com ateliê e querem montar confecção. “Esse é um projeto piloto e esperamos que o resultado gere novos projetos,”justifica o designer e consultor. Cada aluno desenvolveu 12 peças sozinho e o resultado foi desfilado pelos mesmos no evento.
O desfile da Ponto Firme inaugurou o espaço no centro de São Paulo, onde serão realizados cursos de crochê para egressos e egressas do sistema prisional, sob a coordenação do estilista Gustavo Silvestre. Esta edição mostrou a evolução do projeto. As peças, primorosamente desenvolvidas, ganharam informação de moda e aperfeiçoamento técnico. Vestidos leves, camisetas de malha com inserção de crochê em trabalho vazado, regatas de jacquard em crochê. Destaque para o vestido longo em tela e linha acetinada e os bonés de crochê desenvolvidos por adolescentes da Zona Leste de São Paulo (Crochê de Vilão). Outro ponto de destaque foram as jaquetas de sacas de trigo, açúcar, numa "estética da escassez", segundo Silvestre, que explica que a equipe de direitos humanos da OAB - Organização dos Advogados do Brasil - está realizando uma triagem entre as egressas do sistema prisional, que têm habilidade, para fazer parte do grupo (até agora apenas homens participam).
Projeto Sankofa traz sete marcas emergentes
Já na segunda participação o Projeto Sankofa trouxe sete novas marcas, que passaram por processo de mentoria e marcas madrinhas. O movimento, que tem por objetivo colocar designers negros e indígenas em destaque, tem coautoria do Pretos na Moda, fundado por Natasha Soares e Rafael Silvério, da startup VAMO - Vetor Afro Indígena na Moda.
No primeiro dia a Meninos Rei trouxe mix de estampas muito coloridas, novos volumes em peças femininas e masculinas. A seguir, o Ateliê Mão de Mãe veio com uma coleção de peças em crochê, listradas e em quadriculados. Ousou trazendo hot pants e jacquard, num trabalho muito bem elaborado.
Santa Resistência trouxe para a passarela looks fluidos, peças de alfaiataria e estampas marcantes, de cidades coloridas. Detalhes de marcam resgatam tradições artesanais. Naya Violeta, marca goiana, veio com modelagem confortável, em roupas femininas e masculinas, com destaque para a estamparia exuberante.
Silvério apresentou alfaiataria com paletós com lapelas de cetim rosa. Recortes vazados, mistura de tecidos e cavas amplas que se fundem com as costas vindo amarrar-se na frente da peça. As Marias trouxe detalhes em macramê e babados, malhas de lurex e calças amplas. Destaque para a calça com zíperes em dois pontos diferentes do comprimento, podendo se transformar em calça cropped ou shorts. Mille Lab veio com trabalho em moletom, em micro saias para elas e calças e bermudas para eles. O forte no entanto, foi o eloquente discurso anti-racista, em rap e em poema falado.
Conforto, alfaiataria, tradição e vibe esportiva
As peças confortáveis predominaram entre as coleções. Puderam ser observadas em À La Garçonne, na Ellus (que completa 50 anos) e na ALG, segunda marca de Alexandre Herchcovitch e Fábio Souza. Os três desfiles, virtuais, mostraram a influência das ruas na passarela. Modelagens mais amplas, tecidos como moletom e xadrezes que nos remetem ao Grunge dos anos 1990 além dos jeans, alguns com cintura um pouco mais baixa. Ronaldo Fraga apresentou conjuntos de alfaiataria em tecidos da Renaux View. Teve muito jacquard e uma alegria poética no filme, estrelado por funcionários da empresa, além de modelos contratados.
A estreante Baska, encabeçada pelo influencer e empresário alagoano Carlinhos Maia, ao lado do diretor criativo Dudu Farias trouxe looks monocromáticos, que misturou alfaiataria com parcas e moletom. Casacos com mangas removíveis e no feminino, vestidos e macacões com cintura marcada e detalhes de amarrações.
João Pimenta combinou conforto à alfaiataria, com calças de pernas amplas, barras italianas altas e saias pregueadas. O xadrez veio em pied-poule e príncipe de Gales, acompanhados de risca de giz em costumes e sobretudo longos. Jaquetas e sobretudo em matelassê acetinado pontuaram alguns looks.
Weider Silvério mostrou vestidos e saias ajustadas em malha felpuda, proporcionando conforto em modelos mais sofisticados. A cintura veio marcada com recortes verticais. Além do branco, estampa floral em fundo preto. Os casacos brancos ganharam forros cor de rosa, elegantes.
No Centro Cultural São Paulo, Fernanda Yamamoto inaugurou uma exposição por meio de um desfile/performance com modelos da comunidade Yuba, de Mirandópolis, interior de SP. A equipe de estilo escolheu três quimonos utilizados nos espetáculos de dança e fizeram interferências em organza de seda e a inclusão de morim, tela de algodão usada em modelagem. Alguns quimonos foram desenvolvidos totalmente em seda, todos com belas combinações de cores.
Fotos: cortesia Agência Fotosite