Pri Bertucci - CEO do projeto [SSEX BBOX] - fala sobre inclusão e diversidade na moda
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Ultimamente muito se tem falado e discutido a respeito de diversidade e inclusão. Os desfiles de moda têm colocado na passarela modelos trans, plus size e negros justamente para mostrar que a moda está alinhada com essas questões. O Fashion United entrevistou Pri Bertucci, CEO trans, do [SSEX BBOX], projeto que procura dar visibilidade às questões de gênero e sexualidade. Veja a entrevista a seguir.
Fashion United: quando nasceu o projeto [SSEX BBOX]? Como é sua estrutura de funcionamento?
O [SSEX BBOX] é um marca de justiça social que procura dar visibilidade às questões de gênero e sexualidade. Teve início em 2011, a partir de um conjunto de web-documentários educativos, que explora a sexualidade a fim de promover uma mudança social baseada nos princípios dos Direitos Humanos. O projeto tem dois S’s e dois B’s porque começou nas cidades de São Paulo e São Francisco, Berlim e Barcelona. Como consequência o projeto acabou desenvolvendo outros braços como a Conferência Internacional [SSEX BBOX] - realizada anualmente em diversas cidades, a Marcha do Orgulho Trans - que teve sua 2ª edição este ano em São Paulo, o Queer Brasil, o- [DIVERSITY BBOX JOBS] que conecta vagas em empresas com a população minorizada, [DIVERSITY e o [SOCIAL BBOX] - uma incubadora de projetos de pessoas LGBTQIA+.
Os dois principais eventos que o [SSEX BBOX] realiza anualmente são a Marcha do Orgulho Trans, que terá sua terceira edição em 12 de junho de 2020 em São Paulo; e a Conferência Internacional [SSEX BBOX], que este ano chega a sua 5ª edição e desembarca pela primeira vez em Paris, para discutir diversos assuntos sobre o atual cenário político brasileiro e como ele afeta a sociedade LGBTQIA+ brasileira. Ativistas sociais estarão presentes como Jean Wyllys (jornalista, professor e ex-deputado LGBTQIA+ que precisou renunciar o cargo e deixar o Brasil por conta de ameaças) e Mônica Benício (ativista social e esposa de Marielle Franco, vereadora assassinada em Março de 2018).
A marca conta também como produtora de conteúdo audiovisual especializado em diversidade, tem um blog, Instagram, youtube, material e conteúdos online disponíveis gratuitamente para população; dentro do canal do [DIVERSITY BBOX], estão lançando vídeo aulas sobre diversidade 360º: mulheres, negrxs, pessoas LGBTQIA+, PCDs (pessoas com deficiências), entre outros temas como viés inconsciente, masculinidade e geração 50+.
Temos um escritório localizado no Largo do Arouche, em São Paulo e um escritório base em São Francisco, na Califórnia, EUA, com uma equipe de seis pessoas, além de colaboradorxs que ajudam a desenvolver os projetos.
Quais as iniciativas que o projeto tem realizado?
Em 2017 foi criado um catálogo online para mapear cena artística queer do Brasil. É disponibilizada uma página para os artistas onde eles podem acessar e criar suas próprias páginas, como se fosse um portfólio, contendo release, foto, link para youtube Instagram, Facebook, além de contato telefônico e e-mail. Temos usado muito esse catálogo para indicar para nossos clientes e marcas que querem contratar artistas LGBTQIA+ e não sabem onde encontrar. Então temos desde artistas de performance, artistas visuais, artistas do mundo da música entre outros.
Criamos uma plataforma de cursos online - Cursos E-LEARNING - onde desenvolvemos vídeos exclusivos para empresas que são nossos clientes e também pessoas físicas. Então trazemos toda essa expertise que acumulamos nesses 10 anos de projetos de [SSEX BBOX] pelo mundo e implementamos esse conteúdo nos cursos online.
Recentemente marcas de luxo como a Chanel criaram divisões com postos como Diretoria de Diversidade e Inclusão. Ronaldo Fraga há dois anos realizou um desfile utilizando apenas modelos trans na passarela. Como você vê esse assunto?
Neste momento acredito que é necessário a criação desses comitês de diversidade. A partir da criação desses grupos de afinidade de diversidade, criamos um planejamento estratégico para, por exemplo, se desdobrar em grupos de afinidades específicos, e aí vai incluir toda a diversidade 360º que é como o [DIVERSITY BBOX] trabalha, então são: mulheres, negrxs, pessoas LGBTQIA+, PCDs, entre outros temas como viés inconsciente, masculinidade e geração 50+. É importante justificar o porquê valorizar a diversidade comprovando com números que importa muito para as marcas se engajarem criando esses comitês diversidade. Segundo a pesquisa que realizamos na 2ª Marcha do Orgulho Trans em São Paulo conseguimos descobrir que o fator mais importante para as pessoas trans, por exemplo, é saber que a empresa tem um núcleo de diversidade pra elas se engajarem.
Sobre o Ronaldo Fraga fazer um desfile com modelos trans, acho importante essa visibilidade dos corpos trans ocuparem lugares, inclusive como os da passarela de desfiles. Mas o que é realmente questionado pela comunidade trans e nós, eticamente, é se essas marcas possuem projetos de diversidade, programas de treinamento de funcionários para coexistirem com pessoas LGBTQIA+ dentro das corporações; como o RH está treinado para se posicionar em relação à contratação de pessoas LGBTQIA+ - principalmente pessoas trans - que façam parte da cadeia de produção desse processo desde a criação do conceito de marca e de uma coleção, passando pela cadeia de produção, até chegar na comunicação e também na passarela. Pensando nisso, nós disponibilizamos esse produto dentro do [DIVERSITY BBOX] que chama DIVERSITY Brand Care, onde treinamos a marca a não só olhar da porta pra fora, mas principalmente da porta pra dentro.
Um ambiente organizacional no qual as pessoas sintam-se seguras para serem quem são permite que cada indivíduo desenvolva-se em seu pleno potencial e que seu foco seja aplicado plenamente no trabalho. Isso é muito forte para pessoas LGBTQIA+, mas podemos estender a reflexão para a questão das piadas machistas, racistas e capacitistas, para o assédio sexual e moral, por exemplo.
48% da pessoas LGBTQIA+ do mundo continuam “no armário” em seus ambientes profissionais. Muitas mesmo com a existência de políticas pró-LGBT.
Como você analisa a diversidade hoje no Brasil quando observamos uma certa guinada ao conservadorismo político e social?
Embora o Brasil e o Estados Unidos tenham entrado nessa onda de conservadorismo político social extremamente destruidora e avassaladora do que foi conquistado em Direitos Humanos, a gente vê por outro lado um avanço muito grande nas questões de diversidade nas empresas. Ou seja, o poder privado está investindo pesado nisso. Porque atingimos um ponto da história que há muitos dados e informações sobre esses processos. E as empresas já entenderam que inovação está ligada à diversidade. Então, para as empresas se manterem no mercado, elas precisam se renovar sempre. Elas precisam se tornar diversa e socialmente responsável porque os consumidores vão cobrar isso delas e os melhores talentos não vão escolher essas empresas que não estão alinhadas com diversidade para trabalhar.
Acredito que tem sido muito positivo no Brasil em relação o poder privado olhar para isso. Estamos trabalhando com clientes grandes nos últimos meses e vimos que é muito crescente a procura de multinacionais para implementar os trabalhos internamente. Em sua primeira edição, o Guia EXAME de Diversidade premiou as empresas que mais se destacaram na promoção da diversidade, inclusão e equidade nos negócios, destacando aquelas que possuem as melhores práticas em inclusão e desenvolvimento de mulheres, negrxs, pessoas com deficiência e LGBTQIA+. A premiação levou em conta métodos de contratação, equidade salarial e inclusão nas instituições, e tivemos a felicidade de termos 8 clientes nossos como destaque na seleção. Atualmente, as corporações que não abrem espaço para isso não conseguem criar cultura de mudança e, consequentemente, enfrentam mais dificuldade para evoluir e inovar. As táticas de antigamente não trazem mais os resultados esperados.
Como você destaca a diversidade nas empresas de moda brasileiras?
Essa questão da diversidade na moda brasileira está atrasada. Achei bem inovador ter um evento como o Trama Afetiva, idealizado por Jackson Araújo e Luca Predabon, o qual eu tive a oportunidade de participar tanto de um debate como de um workshop. Existiam muitas marcas presentes no workshop e deu pra sentir que realmente é um início de trabalho começar a trazer a questão para dentro da moda. Principalmente olhando pra essa questão de representatividade de corpos que as marcas usam como forma de comunicar essas roupas, ou seja, você vê as marcas usando modelos trans, gordas, negrxs em seus desfiles, colocam esses corpos para serem fotografadxs, mas o que é mais importante que isso é ter essas pessoas, esses mesmos corpos participando de todo o processo criativo e na cadeia de produção e em todos os espaços da indústria. Então é importante a gente conseguir ter esse equilíbrio e essa diversidade para dentro do mercado da moda como um todo porque do contrário, esse mercado não vai sobreviver.
Ainda existe um outro ponto que acho importante, que é olhar para a questão de sustentabilidade. A gente sabe que o planeta está se colapsando no sentido ambiental. O consumo de roupa e a indústria da moda assim como o consumo de carnes estão destruindo o planeta. Se a moda não se atentar que o mundo está mudando, que as questões de diversidade, inovação e questões sócio-ambientais andam juntas, esse mercado não vai se sustentar. Isso também é a questão queer, isso é queerficar a moda. Falta o Brasil aprender a queerficar a moda, porque ela ainda está muito cis-hetoronormativa e patriarcal.
Quais as iniciativas que podemos ter no nosso dia a dia para tornar a inclusão efetiva na sociedade brasileira como um todo?
Nós, enquanto pessoas físicas, trabalhamos em organizações, empresas, frequentamos universidades, escolas, salas de aulas, estamos envolvidos com nossas famílias, o nosso papel é ser um pivô. Eu costumo chamar as pessoas que passam pelos nossos treinamentos de campeões da diversidade. Ou seja, essas pessoas acabam sendo firmadas por um conhecimento que fazem elas saber quando é preciso intervir em momentos que ouvirem as piadinhas na roda de conversa no trabalho, por exemplo, ou sobre mulheres, sobre negrxs, sobre gays; na família quando alguém fizer um comentário é saber se colocar e trazer essas informações para ensinar. Porque as pessoas são ignorantes, no sentido de não ter conhecimento pois existem dentro de uma estrutura patriarcal, sexista e socialmente opressora desde sempre. É um pré-conceito, um viés inconsciente gigantesco da sociedade sobre o que significa ser homem e o que significa ser mulher. Então, nosso papel é conseguir sair dessa prisão cis heteronormativa e tentar libertar as pessoas para serem quem elas querem ser, e as pessoas que possuem o conhecimento é preciso se impor e intervir ao ouvir coisas opressoras, e quem não tem conhecimento é preciso começar a aprender e procurar cursos. Este ano começamos a oferecer cursos para pessoas físicas. Dentro do espaço no Largo do Arouche, a gente oferece em média duas vezes por mês cursos para pessoas que queiram aprender sobre esse tipo de assunto e não sabem onde procurar. E é oferecido um conteúdo muito rico e importante. Nós ensinamos, por exemplo, o vocabulário de tratativa, de abordagem, e de como todos nós podemos nos tornar aliades de toda a causa LGBTQIA+ e da diversidade como um todo.
G: gays
B: bissexuais
T: travestis, transexuais e transgêneros
Q: queer / Questionando
I: pessoas intersexo
A: assexuais / ALIADES
+: outras orientações e identidades ainda não reivindicadas.
Foto: Gui Gomes