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Profissões: ilustrador de moda

By Marta De Divitiis

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Moda|Interview
Credits: cortesia Daniel Maia

O desenho, em especial a ilustração, sempre esteve presente nas publicações de moda. Desde o século XIX, na Revista das Moças, passando por “As garotas do Alceu”, referência às pin-ups desenhadas por Alceu Penna, publicadas na revista O Cruzeiro no século passado, revistas dedicadas ao consumidor final ou voltadas para os profissionais e estudantes de moda utilizaram e ainda utilizam ilustrações. O pernambucano nascido em Recife, Daniel Maia, é um dos principais nomes da ilustração de moda no Brasil contemporâneo. Confiram a entrevista exclusiva abaixo, assim como as com as ilustrações que ele nos cedeu.

Jornal Toda Moda Inverno 1987 Credits: cortesia Daniel Maia

FashionUnited: onde você estudou e como o desenho entrou na sua vida?

Estudei numa Instituição Jesuita, o Colégio Nóbrega, e cursei a Antiga Escola de Belas Artes do Recife. Nas minhas mais antigas lembranças de infância, estão sempre papéis, lápis, canetas, guache, aquarela e cinema, muito cinema!!! Voltava pra casa, com minha mãe ou minhas tias, e imediatamente mergulhava na minha mesa de desenho, desenhando as personagens que vi na tela… Aquilo alí era a minha Disney! Daí, com um pouco mais de idade o interesse por moda foi aparecendo e à certa altura as personagens dos filmes foram sendo substituidas pelas imagens das revistas de moda que rolavam em minha casa.

Aos 12 anos fiquei em primeiro lugar num concurso promovido numa TV local, pelos Diários Associados e ganhei uma bolsa de estudos para a EAB - Escolinha de Arte do Brasil, criada por Augusto Rodrigues (artista plástico pioneiro nas escolas de arte para crianças no Brasil). Um novo mundo no terreno do desenho e da pintura se abriu diante de mim, bem diferente daquele que se resumia aos personagens do cinema, das revistas de moda e dos livros. Era um mundo novo e incrivelmente delicioso para mim!!! Depois de 4 anos saí de lá para a Antiga Escola de Belas Artes de Recife, onde fiquei até a minha mudança para o Rio em 1970.

Capa de catálogo Credits: cortesia Daniel Maia
Capa Catálogo Cia Nitriquímica Brasileira, Unidade Viscose Credits: cortesia Daniel Maia

Como iniciou sua carreira na moda?

Comecei trabalhando num grande cotonifício do Nordeste e em algumas confecções. Tive trabalhos publicados em colunas de moda e comportamento nos dois jornais da cidade: Diário de Pernambuco e Jornal do Comércio. Todo o meu envolvimento com o mundo têxtil e por consequência, com a moda, sinalizava que a mudança de cidade para um centro maior, onde o mercado oferecesse mais oportunidades, seria inevitável, sobretudo para um espírito inquieto como o meu. A mudança para o Rio mudou radicalmente tudo, pois tive que enfrentar um mercado de trabalho muito mais competitivo, numa cidade com um ritmo e um cenário completamente diferente de onde eu vinha. Mas aquele novo desafio era tudo que eu queria, abrir caminho com as próprias mãos, validava completamente a decisão da mudança. Em muito pouco tempo comecei a trabalhar como estilista numa empresa de vestuário do segmento feminino e nessa época conheci a jornalista e atriz Hildegard Angel , de quem me tornei muito amigo. Naquele momento, houve a grande virada de chave: Hilde me levou até sua mãe, a grande estilista Zuzu Angel , que acabava de voltar dos EUA para o Brasil, e tinha aberto recentemente uma linda loja da sua marca no Leblon.

Capa do Guia Oficial da Moda, inverno 1991 Credits: cortesia Daniel Maia

Fale-nos um pouco sobre o trabalho com Zuzu Angel e a influência dela em seus trabalhos posteriores.

Meu encontro com Zuzu mudou todas as minhas perspectivas. Geminiana como eu, estabelecemos imediatamente uma grande sintonia e comecei criar e produzir acessórios de couro para suas coleções. Fiquei junto à ela, trabalhando até a sua morte em 1976. Uma morte que deixou todos à sua volta devastados! Num instante Zuzu desapareceu da minha vida, de uma maneira brutal! Com ela conheci de perto a dinâmica permanente da indústria da moda e aprendi que talento com disciplina é o melhor caminho para o sucesso! Zuzu gostava muito do meu traço, e decidiu um dia promover um encontro nosso, num jantar em sua casa, com o diretor da Associated Press, de quem era amiga. Ele conheceu meu trabalho e se interessou em levar meu nome à Editora Abril (na época uma das maiores editoras do país) e 15 dias depois recebi uma ligação da editora através do escritório de Roberto Marques, um grande ilustrador, que dirigia o departamento de ilustrações e moldes para a sucursal do Rio, me convidando à ir até lá. Assim comecei a desenhar para a revista Manequim. Algum tempo depois passei a desenhar para o Noticiário da Moda, outro produto da Abril, onde fiquei até meados dos anos 1980. Nessa década de 1970 comecei também a produzir os cadernos de tendências da fiação Polyenka , uma multinacional de fios de poliester, e passei efetivamente à trabalhar como designer têxtil, em tecelagens e malharias do Rio e S. Paulo. Fui na sequência para a Editora Vecchi, desenhar para Figurino Moderno e de lá fui para a Rio Gráfica e depois para a Editora Globo, onde fiquei por muitos anos criando ilustrações para as revistas Moda Brasil e Moda Moldes .

Anúncio publicitário da Tecelagem Vonelle Credits: cortesia Daniel Maia
Publicidade Joalheria Ricardo Coacci 2023 Credits: cortesia Daniel Maia

Você trabalhou também com publicidade?

Sim durante todos estes anos, paralelamente, vim atuando com projetos gráficos na área de publicidade, mas sempre direcionados ao mercado de moda. E assim continuei, trabalhando incessantemente até hoje. Me dividindo entre o trabalho volumoso de chão de fábrica da indústria têxtil, com o trabalho de pesquisa nas pranchetas, das tintas, das canetas e dos papéis!!!! Hoje, vejo que nada disso foi acidental, não caí por acaso nesse terreno. Eu conduzi as coisas dentro desse caminho, com a certeza de que dificilmente alguma outra atividade me completaria tanto.

Revista Cores e Tecidos, Editorial Têxtil, Inverno 1996 Credits: cortesia Daniel Maia

Houve obstáculos a superar?

Ah, sim… Obstáculos sempre existem. Mas acredito que nada em maior ou menor escala que as dificuldades enfrentadas em outras áreas. Obstáculos (grandes ou pequenos ) estão sempre muito relacionados à confiança que se tem na própria capacidade. Eu sou da geração do fotolito, das entrevistas presenciais, do telefone com fio, onde só conseguíamos mostrar um trabalho por caminhos muito mais restritos que hoje: imprimir um portfólio e fazê-lo circular nas mãos certas, etc.. De repente o universo digital mudou tudo isso! Qualquer link faz seu trabalho atravessar o mundo em segundos! Mas as dificuldades são sempre do tamanho da sua resiliência.

Revista Cores e Tecidos, editorial têxtil, Verão 1989/1990 Credits: cortesia Daniel Maia

Que conselhos daria a quem está iniciando na carreira?

Primeiro, ame o seu traço com enorme paixão, tenha ele o temperamento que tiver! Encontre nele o seu estilo e se exercite muito... Treine incansavelmente! Não apenas o olhar precisa ser treinado, mas sobretudo a mão. Procure conhecer tudo que seja relacionado ao tema. Existe literatura farta no mercado ou mesmo na Internet, que hoje disponibiliza com uma força impressionante tudo que se faz em ilustração de moda desde o século XVI até os dias atuais. Desenho é como qualquer atividade artística, exige treino permanente e muita disciplina. O prazer que se encontra nessa rotina é o que determina se se é vocacionado. Para um ilustrador (seja de moda ou não), qualquer guardanapo de boteco ou papel de pão é motivo pra desenhar. Eu, particularmente, considero a minha mesa de trabalho como um terreno sagrado. Se não tem à mão uma caneta Staedtler, tenha certeza que uma Bic resolve lindamente! E por último, desenvolva um senso de observação feroz! A sua curiosidade por tudo que exista à sua volta será seu mais forte combustível.

Catálogo Diolen/Polyenka, Inverno 1984 Credits: cortesia Daniel Maia

Como você vê hoje a ilustração de moda, frente à tecnologia digital?

Há no momento um cenário que ao mesmo tempo que é fascinante é também assustador e que vem se instalando com uma velocidade fulminante, sem regras, sem padrões de conduta, sem freios, num movimento incontrolável! Essa delirante valorização da IA eu vejo com um enorme espanto! Uma avalanche que tem nos invadido minuto à minuto. Há necessidade de haver alguma regulamentação pra isso, sobretudo em relação à direitos autorais. Sou absolutamente encantado por tudo que o universo digital pode nos proporcionar, pois considero que as ferramentas digitais que a Internet disponibiliza às artes e à ciência são certamente o grande divisor na história do homem contemporâneo, mas há que haver critérios para que isso exista sem se tornar um desastre irreversível.

Daniel Maia
Ilustrações de Moda